Spending Review: um acerto de contas com o Futuro

Spending Review: um acerto de contas com o Futuro

22/09/2020

O economista e servidor de carreira do Senado Federal, Leonardo Ribeiro, apresentou aos pesquisadores do IBRE/FGV, no dia 4 de setembro, um panorama geral das contas públicas do Governo federal, abordando a rigidez orçamentária. Na oportunidade, o especialista em orçamento público defendeu a instituição do Spending Review (Revisão Periódica de Gastos) no Brasil, instrumento de governança fiscal amplamente adotado pelos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segue-se um resumo da apresentação.

As despesas obrigatórias, com execução orçamentária exigida por normas constitucionais ou legais, devem ser revisadas periodicamente por meio de processos sistemáticos de Revisão Periódica de Gastos. Nesse sentido, a rigidez do orçamento pavimenta o caminho para um sistema de revisão da despesa pública a partir de análises profundas dos programas governamentais, com participação do Congresso Nacional e da sociedade.

Em contrário, as despesas contingenciadas pelo Poder executivo – chamadas de discricionárias – sofrem cortes lineares desconectados de avaliações da qualidade do gasto público, sem participação do Poder Legislativo. Nos últimos anos, o ajuste fiscal se deu principalmente por meio de contingenciamentos nessa categoria de despesas via ato unilateral do Poder Executivo (decretos), sem transparência de análises de custo e benefício. Em 2020, nem mesmo foram apresentados os Decretos de Contingenciamentos para demonstrar as áreas do governo priorizadas durante a pandemia do Coronavírus. De fato, a necessidade de se atingir as metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) está suspensa temporariamente por Decreto Legislativo de calamidade pública aprovado pelo Congresso Nacional.

Em 2018, a despesa primária executada no orçamento federal correspondeu a R$ 1.354,4 bilhões, líquida de transferências constitucionais, sendo R$ 1.204,7 com gastos obrigatórios e R$ 149,7 bilhões com despesas discricionárias. Ou seja, cerca de 90% do gasto primário do orçamento federal é mandatório. Conforme tabela 1, esses gastos podem ser divididos em três áreas: social (R$ 832,1 bilhões), pessoal (R$ 297,5 bilhões) e demais despesas obrigatórias (R$ 75,0 bilhões).

Tabela 1. Gastos obrigatórios do orçamento federal

Fonte: SigaBrasil

Observação: a lei da complementação de 10% do FGTS foi revogada em 2019.

Os gastos com pessoal podem ser analisados a partir de uma desagregação do grupo de servidores ativos (não aposentados) e inativos (aposentados), separando-se também as áreas em que os servidores da ativa estão exercendo suas funções.

Tabela 2. Gastos com pessoal (ativos, inativos e precatórios)

Tabela 3. Gastos com pessoal ativo por função de Governo

Esses grandes números revelam os desafios que cercam o ajuste fiscal nos próximos anos. A avaliação profunda dos gastos obrigatórios exigirá um trabalho coordenado e conjunto dos Poderes Executivo e Legislativo. Nesse contexto, é fundamental a transparência dos critérios e da metodologia que será adotada para revisar os gastos públicos, em especial os programas sociais e as despesas com pessoal no setor público. Não será possível cortar gastos nessas áreas sem planejamento e critérios transparentes, como o Governo vem fazendo com as despesas discricionárias nos últimos anos.

Nesse cenário, o Teto de Gastos (regra que limita a taxa de crescimento da despesa primária ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA) é considerado uma âncora das expectativas da política fiscal. A sua flexibilização ou a própria revogação da regra tem provocado reações do Ministério da Economia, de setores importantes da economia e de parte do Congresso Nacional, que temem o descontrole das contas públicas nos próximos anos.

Cabe ressaltar que 58% do Teto de Gastos do Poder Executivo corresponde a despesas com aposentados – seja da previdência social, seja no setor público. Como essas despesas crescem a taxas acima da inflação, os demais programas poderão sofrer fortes reduções para que o teto seja mantido até 2026, ano em que se pode rever a fórmula de aplicação da regra. Portanto, nota-se uma ineficiência alocativa intergeracional da regra do Teto na medida em que parcela significativa do orçamento federal é destinada aos aposentados dos setores privado e público, comprometendo o financiamento das políticas públicas que beneficiam a geração atual e a futura.

Diante desse quadro, a apresentação aborda o instrumento do Spending Review, adotado pelos países da OCDE, como alternativa para trazer racionalidade e transparência do ajuste fiscal – seja para assegurar a sustentabilidade da dívida pública brasileira, ou para abrir espaço fiscal no orçamento para programas governamentais mais prioritários. Com base em uma pesquisa exploratória, Leonardo Ribeiro explica a racionalidade do instrumento, como ele foi adotado em países da OCDE e como ele poderia ser institucionalizado no Brasil.

Basicamente o Spending Review representa um processo institucionalizado e coordenado para revisar projetos e programas existentes, abrangendo gastos discricionários, obrigatórios, renúncias fiscais e transferências intergovernamentais voluntárias. Dessa forma, as opções de economia são parte essencial do instrumento, que também pode ser entendido como uma metodologia transparente e sistemática para se revisar o cenário fiscal base – aquele que mostra o caminho das contas públicas sem mudanças na legislação e na gestão – a partir de reformas que sejam efetivas para necessariamente mudar os níveis de financiamento dos programas governamentais em vigor.

As economias fiscais promovidas pelas revisões de gasto são documentadas e divulgadas para a sociedade com ampla transparência. Podem ser resultado de ganhos de eficiência de um programa (por exemplo, aperfeiçoamento do Bolsa Família) ou do próprio encerramento de uma política pública (fim do abono salarial, por exemplo). Em relação à abrangência, existem dois tipos de Spending Review: global, geralmente em processos de consolidação fiscal, ou seletiva, com lista específica de programas avaliados.

Sabe-se que a crise de 2008 representou um marco para as finanças públicas ao promover reformas fiscais profundas nos países afetados pela grave crise internacional. De acordo com relatórios da OCDE, foram realizadas quase 70 revisões formais de gastos públicos de 2008 a 2016 nos países membros da organização, sendo mais da metade do tipo global. A título de comparação, no período de 2000-2007, foram cerca de 20 revisões, quase todas do tipo seletiva, com ganhos de eficiência na margem e pouco profundas.

Gráfico 1. Spending Reviews realizados nos países da OCDE, 2000-2007 e 2008-2016.

É importante destacar que em todos os países em que o processo de revisão de gastos se desenvolveu houve custos – tempo, energia e dinheiro. Para ser bem-sucedido, 4 obstáculos precisam ser superados: (i) a desconsideração dos resultados das avaliações de políticas públicas pelos tomadores de decisão; (ii) a incompletude dos resultados das avaliações, que podem apresentar visões tendenciosas; (iii) a dificuldade na obtenção de informações junto aos órgãos executores das políticas (assimetria de informações) e (iv) a falta de coordenação dos órgãos públicos envolvidos no processo de revisão.

Para lidar com esses obstáculos, a experiência internacional revela algumas ações essenciais. Em primeiro lugar, o processo de revisão de gastos depende do patrocínio das lideranças políticas. Além disso, é necessária a capacitação dos profissionais envolvidos, assim como a participação do meio acadêmico, da mídia e das Instituições Fiscais Independentes. O processo deve ser baseado em um método sistemático, com transparência dos mecanismos de incentivo e sanções para o gestor público se engajar no sistema. Além disso, é preciso compatibilizar as avaliações de gastos e o processo orçamentário.

Na parte final da apresentação, são feitos comentários sobre o projeto de lei nº 428, de 2017, aprovado no Senado Federal, com destaque para os próximos passos necessários para se aprovar o PLP 504/2018 na Câmara dos Deputados (versão aprovada do PLS nº 428) e institucionalizar o Plano de Revisão Periódica de Gastos no País.

Para ver a apresentação clique aqui.

Seguem links para a entrevista na revista Conjuntura Econômica da FGV IBRE e do artigo escrito por Leonardo Ribeiro e José Roberto Afonso na última edição impressa da Revista.

https://portalibre.fgv.br/noticias/planejamento-fiscal

Artigo de Leonardo Ribeiro e José Roberto Afonso na edição de setembro da Revista Conjuntura Econômica.

 

 

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