Comparação da evolução da população com benefícios previdenciários no período de 1980 a 2022
Com a divulgação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 2022, torna-se possível iniciar análises importantes sobre a evolução demográfica e previdenciária do país, não apenas no período de 2010 a 2022, como também nas últimas décadas. Em que pese ainda não terem sido divulgados os dados por idade ou faixa etária, já é possível comparar a evolução da população total vis-à-vis o estoque de benefícios do atual Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essa análise é importante tendo em vista que, em função da tendência demográfica de envelhecimento populacional, o esperado é um ritmo de incremento do estoque de benefícios superior ao da população.
Evolução Comparativa da População com Estoque de Benefícios do Atual INSS - 1980 a 2022
Com algumas simplificações, e de forma breve, é muito relevante realizar a evolução comparativa da população brasileira e do estoque de benefícios do atual INSS para o período de 1980 a 2022. Essa comparação é bastante simbólica das transformações que vem ocorrendo no país nas últimas décadas.
Os dados da população têm como fonte os censos demográficos de 1980 a 2022. Já os dados de estoque de benefícios são de registros administrativos do atual INSS, tanto previdenciários como também assistenciais que são pagos pela referida autarquia. Portanto, o dado de benefício acaba não englobando todo estoque previdenciário, por não incorporar aqueles de regimes próprios de previdência de servidores públicos (RPPS) e mesmo dos militares, sendo focado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Também não engloba todo o conjunto dos benefícios assistenciais, mas apenas aqueles que são pagos diretamente pelo INSS, que são, na maior parte, do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS).
Cabe também destacar que o INSS, embora tenha sido criado em 1990 e, portanto, não existia em 1980, foi decorrente da fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)[1] e, portanto, não representa um obstáculo para a análise da evolução comparativa. Feitas essas considerações iniciais, pode-se notar que ao longo de todo o período de 1980 a 2022 o ritmo de crescimento do estoque de benefícios previdenciários do atual RGPS e do INSS foi superior ao da população como um todo (vide tabela 1). Enquanto, entre 1980 e 2022, a população total cresceu 70,6%, os estoques de benefícios do RGPS e do INSS como um todo (incluindo assistenciais) cresceu, respectivamente, 395,8% e 383,4% no mesmo período. Em termos de média anual, a população total cresceu ao ritmo de 1,3%a.a. entre 1980 e 2022, enquanto o crescimento do estoque de benefícios previdenciários (RGPS) e total do atual INSS (inclui assistenciais) foi de, respectivamente, 3,9%a.a. e 3,8%a.a. no mesmo período.
Tabela 1 – Evolução da População Brasileira
e do Estoque de Benefícios Previdenciários/Assistenciais do Atual INSS
ANO |
População |
Estoque de Benefícios Previdenciários do RGPS/INSS |
Estoque de Benefícios Previdenciários e Assistenciais do Atual INSS |
1980 |
119.002.706 |
6.538.120 |
7.783.899 |
1991 |
146.825.475 |
11.206.225 |
12.635.571 |
2000 |
169.799.170 |
17.531.161 |
19.572.748 |
2010 |
190.755.799 |
24.426.882 |
28.141.263 |
2022 |
203.062.512 |
32.412.927 |
37.623.966 |
Variação Acumulada entre períodos em % |
|||
1991/1980 |
23,4 |
71,4 |
62,3 |
2000/1991 |
15,6 |
56,4 |
54,9 |
2010/2000 |
12,3 |
39,3 |
43,8 |
2022/2010 |
6,5 |
32,7 |
33,7 |
2022/1980 |
70,6 |
395,8 |
383,4 |
Variação Média Anual em %a.a. |
|||
1991/1980 |
1,9 |
5,0 |
4,5 |
2000/1991 |
1,6 |
5,1 |
5,0 |
2010/2000 |
1,2 |
3,4 |
3,7 |
2022/2010 |
0,5 |
2,4 |
2,4 |
2022/1980 |
1,3 |
3,9 |
3,8 |
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social. Foi necessária alguma simplificação: os dados de benefícios
de 1980 e 1991 são de mantidos e 2000, 2010 e 2022 de emitidos (não altera a ordem de grandeza do incremento). Dados de Anuário Estatístico
da Previdência Social (AEPS) – vários anos e suplemento histórico e de Boletins Estatísticos da Previdência Social (BEPS).
O estoque de benefícios está na posição de dezembro de cada ano.
Claro, que há simplificações, como considerar o estoque de benefícios com os dados do Censo[2], mas foram necessárias e não alteram a ordem de grandeza dos resultados obtidos e as conclusões principais da análise. Como mostrado, no período de 1980 a 2022, o ritmo de crescimento do estoque de benefícios do atual INSS foi superior ao apresentado pelo incremento da população. Consequentemente, a relação entre estoque de benefícios previdenciários do RGPS dividido pela população total cresceu de 5,5%, em 1980, para 16% em 2022. Já a relação considerando o estoque total do atual INSS (inclui assistenciais) também teve alta: de 6,5%, em 1980, para 18,5% em 2022 (vide tabela 2). Cabe lembrar que ainda não foram considerados os benefícios do RPPS e militares e, portanto, a relação em 2022 é ainda maior. Também não foram considerados benefícios que são pagos diretamente pelas empresas e posteriormente abatidos de suas contribuições, como salário-maternidade e salário-família do RGPS.
De forma inversa, considerando o INSS (antigo INPS), em 1980 havia um benefício para cada 15,3 habitantes. Essa relação caiu para 1 benefício para cada 5,4 habitantes em 2022 (vide tabela 2).
Essa alteração reflete, entre outros fatores, a profunda transformação demográfica que o Brasil passou no período de 1980 a 2022, com queda da fecundidade, aumento da expectativa de vida e rápido e intenso envelhecimento populacional, que deve continuar nas próximas décadas. Claro, entretanto, que há outros fatores como, por exemplo, variações ou incremento na cobertura ou proteção social, mas a demografia é uma variável fundamental.
Tabela 2 – Evolução da Relação entre Estoque de Benefícios
Previdenciários RGPS / INSS e População Total 1980-2022
ANO |
Estoque de Benefícios Previdenciários RGPS / População Total em% |
Estoque de Benefícios do atual INSS* / População Total em% |
População Total / Estoque de Benefícios Previdenciários RGPS |
População Total / Estoque Total de Benefícios do Atual INSS |
1980 (a) |
5,5 |
6,5 |
18,2 |
15,3 |
1991 |
7,6 |
8,6 |
13,1 |
11,6 |
2000 |
10,3 |
11,5 |
9,7 |
8,7 |
2010 |
12,8 |
14,8 |
7,8 |
6,8 |
2022 (b) |
16,0 |
18,5 |
6,3 |
5,4 |
Relação 2022/1980 (b) / (a) |
2,9 |
2,8 |
0,34 |
0,35 |
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social. * inclui assistenciais e de legislação específica.
Esse incremento da relação entre benefícios/população reflete o aumento da participação dos idosos na população total. Como o IBGE ainda não divulgou os dados do Censo de 2022 por idade, utilizando, de forma alternativa, os dados das Nações Unidas, pode-se notar que existe uma correlação positiva expressiva entre a relação de benefícios previdenciários/população com a participação dos idosos (60 anos ou mais) na população (gráfico 1 – correlação de Pearson de 0,97[3]).
Dado que se espera que a participação dos idosos continue crescendo de forma significativa nas próximas décadas, também se pode esperar um incremento contínuo da relação estoque de benefícios/população. Claro, contudo, que a reforma de 2019 terá impacto nessa correlação. De qualquer forma, o resultado esperado é incremento da importância relativa dos benefícios previdenciários. A projeção demográfica das Nações Unidas é que a participação dos idosos continue a crescer nas próximas décadas (devendo alcançar em torno de 1/3 por volta de 2060 e 39,7% do total em 2100). Em função dessa tendência, ceteris paribus, o esperado é uma contínua piora na relação entre contribuintes e beneficiários e a necessidade de fortalecimento do financiamento da previdência, que vem sendo fragilizado pelo MicroEmpreendedor Individual (MEI), que tem sido caracterizado por inadequada focalização e permitido a substituição de emprego com carteira de trabalho assinada por MEI (Costanzi e Sidone, 2022; Costanzi e Magalhães, 2023; Costanzi, 2023).
Principais Conclusões
O período de 1980 a 2022 foi marcado por um crescimento dos estoques de benefícios previdenciários (RGPS) e totais (incluindo assistenciais) do atual INSS superiores ao ritmo de incremento da população total. Entre 1980 a 2022, enquanto a população total cresceu 70,6%, o estoque de benefícios do RGPS e do atual INSS cresceu, respectivamente, 395,8% e 383,4% no mesmo período, ou seja, praticamente quintuplicaram. Em termos de média anual, a população total cresceu ao ritmo de 1,3%a.a. entre 1980 e 2022, enquanto os estoques de benefícios previdenciários e total (incluindo assistenciais) do atual INSS tiveram incremento médio de, respectivamente, 3,9%a.a. e 3,8%a.a. no mesmo período.
Em função desse comportamento, houve incremento relevante da relação entre benefícios/população total, que passou de 6,5%, em 1980, para 18,5% em 2022. De forma inversa, isso significa que o país passou de 1 benefício a cada 15,3 habitantes, em 1980, para 1 prestação a cada 5,4 habitantes em 2022 (sem considerar benefícios dos RPPS e dos militares). Conforme forem sendo liberados novos dados do Censo Demográfico será possível ampliar/aprofundar a análise, em especial, a desagregação por idade/grupo etário.
Esse comportamento, de incremento dos benefícios previdenciários acima do ritmo de crescimento da população, observado no período de 1980 a 2022 tem vários fatores, mas certamente as transformações demográficas têm um peso fundamental no processo. Ademais, dadas as projeções demográficas, esse processo deve continuar nas próximas décadas. Tendo em vista esse comportamento esperado, torna-se fundamental debater a necessidade de fortalecer o financiamento da Seguridade Social neste contexto de rápido e intenso envelhecimento populacional. Esse debate é importante, tendo em vista políticas que têm permitido a substituição de emprego com carteira de trabalho assinada por MEI, com impactos sobre a precarização do mercado de trabalho e fragilização do financiamento da previdência social. A título de exemplo, em 2021, o MEI chegou a representar cerca de 10% dos contribuintes do RGPS, mas respondeu por cerca de apenas 1% da receita do referido regime (Costanzi e Magalhães, 2023).
Com o rápido e intenso envelhecimento populacional haverá pressão nos gastos da Seguridade Social como um todo, tanto da previdência, como também da assistência e saúde. Há necessidade de planejamento das políticas públicas a médio e longo prazo frente a esse processo, inclusive, debates a respeito do financiamento, inclusive, pelas transformações do mundo do trabalho.
Referências Bibliográficas
BRASIL. IBGE. 2023. Censo Demográfico 2022. População e domicílios. Primeiros resultados.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS). Vários Números e Suplemento Histórico.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS). Vários Números.
COSTANZI, Rogerio Nagamine. Os Desafios das Políticas Públicas de Previdência Social. 2023. Disponível em: http://anesp.org.br/todas-as-noticias/desafios-das-polticas-pblicas-de-previdncia-social.
COSTANZI, Rogerio Nagamine. MAGALHAES, Mario. Informações FIPE, Março de 2023. A Evolução do MicroEmpreendedor Individual (MEI) e os Impactos no Financiamento da Previdência Social e no Mercado Formal de Trabalho. Disponível em: https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif510-15-24.pdf .
COSTANZI, Rogério Nagamine; SIDONE, Otávio. 2022. Avaliação da Política Previdenciária: O Caso do Microempreendedor Individual (MEI). Páginas 319 a 343 do Livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil” / Organizador Marcos Mendes. – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2022 - INSPER.
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION - ILO. 2004. Financing social protection. Cichon, M.; Scholz, W.; van de Meerendonk, A.; Hagemejer, K.; Bertranou, F.; Plamondon, P.Quantitative Methods in Social Protection Series. Geneva, International Labour Office/International Social Security Association, 2004.
[1] O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS foi criado em 27 de junho de 1990, por meio do Decreto n° 99.350, a partir da fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS com o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, como autarquia vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, atual Ministério da Previdência.
[2] Embora se tenha fontes diferentes (censo e registro administrativo), em ambos casos se trata do universo e não de estimativas amostrais. Os dados do Censo são de agosto/setembro e de benefícios de dezembro. Foi necessário pela disponibilidade de dados e não altera a ordem de grandeza.
[3] Correlação de Pearson de 0,97 e significativa a 1%. Contudo, o número de observações é pequeno.
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