Comportamento recente do investimento público no Brasil
Introdução
O investimento é um componente especial do sistema econômico, pois possui, tipicamente, um caráter dual. No curto prazo, as decisões de investimento vão aumentar a demanda por insumos de produção – mão de obra, bens de capital, energia elétrica etc – elevando os níveis de utilização da capacidade instalada de diversos setores, e contribuindo para pressionar a demanda agregada da economia. Já no longo prazo, quando tais investimento se materializam há um incremento da capacidade de produção do país, elevando a oferta agregada e permitindo que o crescimento econômico ocorra de maneira mais equilibrada, seja em termos de manutenção da inflação em patamares mais estáveis ou mesmo com relação às contas externas.
Uma categoria particular dos investimentos são as inversões realizadas por meio do setor público. O investimento público tem o caráter não apenas de ajudar a corrigir falhas sistêmicas de mercado, mas tem potencial de geração de externalidades positivas para a economia, com efeitos multiplicadores e aceleradores, bem como de coordenação. Especialmente em períodos nos quais a atividade privada se contrai (crises de confiança ou crédito, por exemplo) o investimento público pode dinamizar o nível de atividade com ganhos sistêmicos de produtividade, estimulando eventualmente novas inversões privadas[1].
O objetivo desse estudo é dar um panorama do comportamento agregado do investimento público no Brasil nos últimos anos, destacando sua recuperação mais recente.
Investimentos do Governo Geral
A Secretaria do Tesouro Nacional publica, em bases trimestrais, informações sobre as transações do governo, no qual apresenta detalhes das receitas, despesas e investimento em ativos não financeiros do Governo Geral (composto pelo Governo Central, Estados e Municípios).
O Gráfico 1 mostra a evolução do investimento bruto do governo geral[2] em proporção do PIB, com dados acumulados em 4 trimestres. Nota-se que, após atingir valores próximos a 2,5% do PIB no final de 2014, com a média do período 2010-2014 situando-se em 2,2% do PIB, houve uma queda acentuada nos anos subsequentes. A média do período 2015-2021 se reduziu para 1,3% do PIB, com vales próximos a 1%. Contudo, houve forte aceleração a partir do final de 2021, quando as inversões saltaram de 1,1% no 4T/2021, para atingiram 2,1% ao final de 2024. O resultado ao final de 2024 elevou a média do período 2022-2024 para 1,8% do PIB, levando os investimentos do governo geral a valores compatíveis com a média do período 2010 e 2014.
Gráfico 1: Investimento Bruto do Governo Geral
(acumulado em 4 trimestres em % PIB)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do STN
Tão importante quanto o nível dos investimentos do governo geral, é saber qual foi sua composição entre as três esferas de governo. O Gráfico 2 mostra a decomposição do indicador entre as esferas municipal, estadual e federal. Percebe-se que, entre 2021 e 2024, os investimentos dos 3 níveis de governo geral tiveram uma alta acumulada em proporção ao PIB de 1%, saltando de 1,12% para 2,12%. As inversões do Governo Federal tiveram alta modesta, saindo de 0,15% para 0,24% do PIB, sendo responsável por cerca de 10% do incremento total. Os investimentos dos Governo Estaduais, por sua vez, partiram de 0,44% do PIB em 2021, para 0,73% em 2024, correspondendo a algo próximo de 30% da alta do investimento no período. Por fim, os investimentos do Governo Municipais mais do que dobraram no período, saindo de 0,53% do PIB em 2021, para atingirem 1,15% do PIB em 2024. Dessa forma, os investimentos dos governos municipais foram responsáveis por pouco mais de 60% do crescimento das inversões do governo geral.
Gráfico 2: Investimento Bruto do Governo Geral aberto por Entes
(acumulado em 4 trimestres em % PIB)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do STN
O Gráfico 3A apresenta a trajetória dos valores do investimento do governo geral livre de influências sazonais e a preços constantes do final de 2024, corrigidos pelo deflator da formação bruta de capital fixo da economia das Contas Nacionais trimestrais. É possível perceber que, em 2024, os investimentos atingiram magnitudes semelhantes àquelas ocorridas em meados de 2014.Já o Gráfico 3B mostra o indicador na mesma métrica, mas aberto pelas 3 esferas de governo. Fica claro que a expansão dos investimentos teve velocidades diferentes quando analisados em conjunto União, Estados e Municípios. Enquanto no Governo Federal o crescimento do investimento parece ter sido mais contido, possivelmente devido às regras fiscais que vigoraram no período, nos Governo Estaduais os valores foram mais intensos entre 2021 e 2022, para depois apresentarem alguma acomodação, revelando alguma aderência ao ciclo eleitoral nas unidades da federação. Já os investimentos municipais tiveram forte aceleração durante 2021 e 2024, muito relacionados às eleições locais, as transferências constitucionais federais e ao maior volume de emendas parlamentares.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do STN
Os investimentos das Empresas Estatais Federais
Para completar a análise sobre a dinâmica do investimento público também é importante verificar o comportamento dos investimentos das empresas estatais federais. Tais empresas possuem um orçamento de investimento, que compreende as inversões das empresas controladas pela União, isto é, aquelas em que direta ou indiretamente detenha a maior parte do capital social com direito a voto, e cujas programações não constam integralmente no Orçamento da União. A responsabilidade da elaboração da proposta de orçamento de investimento das estatais está, atualmente, sob a responsabilidade da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). Os dados reportam investimentos tanto do setor produtivo estatal, em que a Petrobras tem posição majoritária, como de instituições financeiras.
O Gráfico 4 mostra a evolução dos investimentos das empresas estatais como percentual do PIB entre 2010 e 2024 em bases anuais. Verifica-se que tais valores mantiveram-se próximos do patamar de 2% do PIB entre 2010-2014 e depois tiveram uma queda relevante, atingindo 0,5% do PIB em 2022. Nos dois últimos anos há um processo, ainda que modesto, de recuperação, com os investimentos encerrando o ano de 2024 na casa de 0,8% do PIB. A participação dos investimentos da Petrobras, entre 2010 e 2024, atingiu quase 90% dos valores nominais investidos pelo conjunto das empresas estatais federais.
Gráfico 4: Investimento das Empresas Estatais Federais
(em % PIB)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MGI
Participação do investimento público no investimento total
A partir das informações de investimento do Governo Geral e das empresas estatais federais, é possível calcularmos a participação dos investimentos públicos no investimento total, no PIB e na taxa de investimento da economia.
O Gráfico 5 mostra a participação do investimento público (soma dos investimentos do governo geral e das estatais federais) no investimento total da economia em bases anuais entre 2010 e 2024. É possível perceber uma clara tendência de queda na participação do investimento público no Brasil a partir do pico de 2010, no qual esse percentual atingiu 23,6%, até cair, com alguma oscilação, para 9,8% em 2021. A partir de então, com o desempenho recente dos investimentos públicos, esse valor fechou o ano de 2024 em patamar pouco superior a 17%. Houve, portanto, um incremento superior a 7% de ganho do investimento público em termos de participação nos investimentos do país.
Gráfico 5: Investimento Público (Governo Geral + Estatais Federais)
(em % da FBCF)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da STN e do MGI
O Gráfico 6 mostra a trajetória do investimento público no Brasil em proporção ao PIB ao longo dos 15 anos compreendidos entre 2010 e 2024. Como tendência de longo prazo, houve queda relativa do investimento público ao longo da década de 2010. No período 2010-2014, a média situou-se pouco acima de 4% do PIB, seguindo tendência de queda – com alguma oscilação nas Estatais federais – até o atingir seu valor mais baixo de 1,8% do PIB em 2021. A partir de então, temos uma recuperação do investimento público, que alcançou 2,9% do PIB no final de 2024.
Gráfico 6: Investimento Público (Governo Geral + Estatais Federais)
(em % PIB)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da STN e do MGI
A partir dos valores dos investimentos públicos, pode-se construir uma proxy da formação bruta de capital fixo da economia do setor privado por resíduo, a partir da diferença entre a formação bruta de capital fixo total da economia e a parcela ao investimento público (governo geral e empresas estatais federais). O Gráfico 7 traz a taxa de investimento da economia (FBCF/PIB) aberta por investimento público, composto pelo investimento do governo geral e das estatais federais, e os investimento privados.
Gráfico 7: Taxa de Investimento no Brasil a preços correntes (FBCF/PIB)
(em %)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da STN e do MGI
Observa-se uma tendência de queda generalizada do investimento no Brasil entre 2013 e 2017, fazendo com que a taxa de investimento saísse de 20,9% para atingir 14,6%. Entre 2017 e 2021, há uma recuperação do investimento privado e alguma oscilação dos investimentos das empresas estatais, fenômenos estes relacionados à internalização de plataformas de petróleo pela mudança na legislação do Repetro[3]. Entre 2022 e 2023, questões ligadas às mudanças no padrão de motorização de ônibus e caminhão ajudam a explicar a queda do investimento privado, a qual vem sendo amortecida pela recuperação dos investimentos públicos.
Conclusão
As estatísticas mais recentes mostram que, ao longo dos últimos três anos, houve uma retomada dos investimentos públicos no Brasil.
Por um lado, em função de seus efeitos multiplicadores e aceleradores, esse desempenho pode ser um dos candidatos potenciais a explicar as motivações das recorrentes surpresas positivas acerca do nível de atividade no Brasil ao longo dos últimos anos. Não custa lembrar que, desde o fim da pandemia, as projeções para o desempenho do PIB brasileiro realizadas pelos analistas de mercado vêm sendo recorrentemente frustrada. O comportamento do investimento público surge com um forte candidato a explicar pelo menos parte dessa frustração.
Por outro lado, a maior parte dos investimentos públicos vem se concentrando nos governos regionais – Estados e Municípios. Esse aumento de investimentos por parte dos entes subnacionais relaciona-se fortemente com seu processo de ampliação de gastos em geral, fruto do crescimento de suas receitas ao longo do tempo. Esse processo vem sendo classificado pelos analistas de “descentralização fiscal”[4]. Em linhas gerais, enquanto o governo federal vem realizando esforço importante de contenção de despesas, os entes subnacionais atuam em direção contrária. Esse processo tende a ensejar desafios adicionais à gestão da política fiscal, reduzindo seu grau de coordenação e ampliando a necessidade de resultados fiscais superavitários do Governo Federal para a estabilização do endividamento público.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Referências
BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Estatísticas fiscais do governo geral – 4º trimestre de 2024. Brasília: Tesouro Nacional, 2025. Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/estatisticas-fiscais-do-governo-geral/2021/22. Acesso em: 5 abr. 2025.
BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Investimento das estatais federais cresce 44% em 2024. Brasília, 10 jan. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/investimento-das-estatais-federais-cresce-44-em-2024. Acesso em: 5 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Orçamento de investimento – tabelas consolidadas. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/estatais/central-de-conteudo/guias-e-manuais/dados-e-estatisticas/orcamento-de-investimento/oi-tabelas_v2.pdf. Acesso em: 5 abr. 2025.
CIAFFI, Giovanna; DELEIDI, Matteo; DI DOMENICO, Lorenzo. Fiscal policy and public debt: Government investment is most effective to promote sustainability. Journal of Macroeconomics, [S.l.], v. 79, 103678, 2024. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0161893824001005. Acesso em: 5 abr. 2025.
GASPAR, Vitor; MAURO, Paolo; PATTILLO, Catherine; ESPINOZA, Raphael. Public investment for the recovery. Disponível em: https://www.imf.org/en/Blogs/Articles/2020/10/05/blog-public-investment-for-the-recovery. Acesso em: 5 abr. 2025.
PIRES, Manoel. A descentralização fiscal silenciosa. Valor Econômico, Opinião, 7 mar. 2025. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-descentralizacao-fiscal-silenciosa.ghtml. Acesso em: 1 abr. 2025.
SOUZA JÚNIOR, José Ronaldo de Castro; CARVALHO, Leonardo Mello de. Efeitos do Repetro-Sped sobre o Indicador Ipea Mensal de Formação Bruta de Capital Fixo. Nota Técnica, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Brasília, n. 41, 2018. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9256/13/cc41_nt_efeitos_do_repetro_sped.pdf. Acesso em: 5 abr. 2025.
[1] Ver, por exemplo: Gaspar, V. et al (2020): Public investment for recovery e Ciaffi, G; Deleidi, M. & Di Domenico, L. (2024): Fiscal policy and public debt: Government investment is the most effective to promote sustainability.
[2] Importante salientar que os dados aqui considerados são os investimentos brutos de caixa. Essa categoria mostra o valor total de caixa gerada ou absorvido pelas atividades de investimento, ou seja, compras menos vendas de ativos não financeiros. Não considera o consumo de capital fixo.
[3] Entre setembro de 1999 e 2017 havia um regime aduaneiro especial de exportação e importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural. Dessa maneira, por questões de benefício tributário, as plataformas de petróleo produzidas domesticamente eram exportadas a empresas subsidiárias no exterior para, posteriormente, ingressarem no país com base em uma modalidade denominada de admissão temporária. Pelo fato de não haver saída física desses bens do país, tais operações passaram a ser classificadas como “exportações fictas”. A contrapartida dessas exportações ocorria nas importações de serviços, mais precisamente na conta de aluguel de equipamentos do balanço de pagamentos. Assim, ao elevar as exportações de bens de capital, esse mecanismo gerava uma redução no consumo aparente de máquinas e equipamentos, afetando as estatísticas de investimento, as medidas de estoque de capital e a balança comercial do país, isto é, geravam alterações na composição da demanda agregada (mais exportações e menos investimentos), mas sem impactos no PIB. A partir de 2018 houve simplificações de procedimento e a eliminação do benefício tributário das “exportações fictas”, gerando, assim, um movimento inverso. As plataformas já em operacionalização no país passaram a ser contabilizadas como importações, acarretando, temporariamente, um aumento do consumo aparente de bens de capital e, por sua vez, a ampliação dos investimentos. Para uma referência sobre o assunto, ver Souza Jr., J.R. e Caralho, L.M. (2018).
[4] Ver, por exemplo, Pires (2025): A descentralização fiscal silenciosa.
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