Impactos do Microempreendedor Individual (MEI) no Equilíbrio Financeiro e Atuarial da Previdência Social
1. Introdução O Microempreendedor Individual foi criado no final de 2008 com objetivo declarado de formalizar os trabalhadores por conta própria do ponto de vista previdenciário. Desde o começo do programa houve um tratamento fortemente subsidiado que trazia, implicitamente, grande desequilíbrio atuarial. Em um primeiro momento, com contribuição de apenas 11% do salário mínimo e contribuições simbólicas para ICMS (R$ 1) e ISS (R$ 5) e isenção dos demais impostos e contribuições federais se dava direito a benefícios de aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez ou incapacidade permanente, pensão por morte, auxílio-doença (incapacidade temporária) e salário-maternidade. O já desequilibrado programa do ponto de vista atuarial ficou ainda pior com a redução da alíquota de contribuição previdenciária para 5% do salário mínimo com a Medida Provisória 529/2011, posteriormente convertida na Lei 12.470/2011. A referida Lei ainda ampliou a alíquota simbólica de 5% do salário mínimo para o segurado facultativo de baixa renda. Apesar da boa intenção do programa MEI, há indícios que o programa tem gerado grave problemas do ponto de vista do financiamento do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), agravando os já sérios problemas de equilíbrio financeiro do referido regime. Ademais, há também indícios que o programa está gerando não necessariamente formalização de trabalhadores, mas migração de segurados de planos mais equilibrados do ponto de vista atuarial, como empregados com carteira, para esquemas mais desequilibrados como MEI. Com objetivo de analisar essas questões, o presente artigo está organizado da seguinte forma: a) na segunda seção se apresenta a evolução do MEI desde sua criação e o diagnóstico dos problemas; b) na terceira seção é apresentada estimativa do impacto financeiro e atuarial do MEI nas contas do RGPS; c) na quarta parte são apresentadas as considerações finais.
2- Evolução e Diagnóstico do MEI
O número de trabalhadores inscritos no MEI cresceu de 44 mil, no final de 2009, para cerca de 16,3 milhões no final de 2024. Em termos de média anual, houve acréscimo de cerca de 1,1 milhão a mais de inscritos no MEI por ano entre 2009 a 2024. O crescimento médio anual dos inscritos alcançou a marca de 48,3%a.a.
Contudo, desde o começo do programa tem sido registrada elevada taxa de inadimplência em relação às contribuições previdenciárias, que deveriam ser realizadas de forma mensal. Mesmo assim, o total de MEIs com pelo menos uma contribuição no ano subiu de 995 mil, no ano de 2011, para 8,7 milhões em 2023, ou seja, foi quase multiplicado por 9 vezes em um período de apenas 12 anos. O crescimento médio anual de MEIs com pelo menos uma contribuição no ano foi de 19,8%a.a. entre 2011 e 2023. O número médio mensal de MEIs contribuintes para o RGPS cresceu de 581 mil, em 2011, para cerca de 6,4 milhões no ano de 2023, ou seja, foi multiplicado por 11 vezes em 12 anos. O crescimento médio anual da média mensal de MEIs contribuintes para o RGPS cresceu ao ritmo de 22,1%a.a. entre 2011 e 2023 (vide gráfico 1 e tabela 1).
Esse ritmo contrasta fortemente com o desempenho do total de contribuintes do RGPS, que fortalece a suspeita de migração de segurados de planos mais equilibrados do ponto de vista atuarial para planos desequilibrados ou subsidiados como MEI e outros. Essa migração não resulta em ganhos de cobertura, mas fragiliza ainda mais o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS. Enquanto o total de MEIs com uma contribuição ao ano cresceu ao ritmo de 19,8% a.a. entre 2011 e 2023, o RGPS como um todo registrou um incremento, no mesmo período, ao ritmo de 1,2% a.a. Como consequência, a participação do MEI saltou de 1,6% para 11,8% entre 2011 e 2023. Na mesma comparação temporal, a participação do MEI no total de contribuintes individuais (CI) cresceu de 8,8% para 46,8%.
Enquanto o número médio mensal de MEIs contribuintes cresceu ao ritmo de 22,1% a.a. entre 2011 e 2023, o RGPS como um todo registrou um incremento, no mesmo período, ao ritmo de 1,9% a.a. Como consequência a participação do MEI, por esse critério, saltou de 1,2% para 10,7% entre 2011 e 2023. Na mesma comparação temporal, a participação do MEI no total de contribuintes individuais (CI) cresceu de 7,8% para 47,7%. O plano completo para os CIs, que tem alíquota de contribuição de 20% sobre os trabalhadores por conta própria, que até 2006 era o único disponível e respondia por todos os CIs, caiu em termos absolutos de 8,3 para 8 milhões entre 2011 e 2023. A tendência foi de crescimento da participação do MEI no total de contribuintes do RGPS e no total dos CIs, em detrimento de esquemas mais equilibrados do ponto de vista atuarial. Cabe se perguntar qual seria o teto de participação do MEI e até que ponto esse incremento ocorre em substituição ao emprego com carteira de trabalho assinada (vide gráfico 1 e tabela 1).
Gráfico 1 – Evolução dos MEIs contribuintes do RGPS – 2011/2023 (Em milhares)
Fonte: elaboração do autor a partir de dados do Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) – vários anos.
Tabela 1 – Evolução de Contribuintes MEI no RGPS – Brasil – 2011 a 2023
Fonte: elaboração do autor a partir de dados do Anuário Estatístico da Previdência Social – vários anos
Os microdados da PNAD Contínua Anual de 2023 não trazem a identificação de quem é MEI, mas é possível usar como proxy o total de trabalhadores por conta própria com registro no Cadastro Nacional da Pessoas Jurídica (CNPJ). A estimativa de trabalhadores por conta própria com CNPJ (6.375.204), em 2023, foi muito similar ao dado do registro administrativo do número médio mensal de MEIs contribuintes para RGPS (vide tabela 2). Na realidade, a estimativa da PNAD Contínua Anual de 2023 correspondeu a 99,6% do total do registro administrativo no mesmo ano, indicando boa qualidade da proxy. A partir dessa proxy foi possível estabelecer a posição dos MEIs na distribuição de renda domiciliar per capita. A estimativa é que 82,2% dos MEIs estavam entre os 50% mais ricos da população considerando a renda domiciliar per capita e apenas 17,8% estavam entre os 50% mais pobres, que denota que um programa que beira o não contributivo apresenta focalização inadequada (vide gráfico 2).
Gráfico 2 – Estimativa da distribuição do MEI
décimo de renda domiciliar per capita – Brasil 2023
Fonte: elaboração do autor a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual de 2023
A focalização inadequada do MEI não é o único problema relacionado ao programa, mas obviamente é um defeito grave, tendo em vista que se aproxima de uma aposentadoria não contributiva com grande desequilíbrio atuarial. Já há uma ampla literatura que chama atenção para os efeitos colaterais negativos do MEI (Costanzi e Ansiliero 2017; Costanzi 2018; Ansiliero, Costanzi e Fernandes, 2020; Costanzi e Sidone, 2022; Veloso, Barbosa e Peruchetti) [1]:
- Inadequada focalização, considerando que a contribuição de 5% do salário mínimo é extremamente desequilibrada em termos atuariais e, por esta razão, deveria ser focalizada em trabalhadores de baixa renda, com pouca ou quase nenhuma capacidade contributiva;
- Risco de substituição/migração ou mascarar relação de emprego, em prejuízo do objetivo de se promover processos de formalização: cerca de 56% dos MEIs inscritos no período 2009-2014 não representaram formalização, mas apenas substituição do tipo de vínculo previdenciário para desfrutar dos subsídios do MEI, em detrimento, inclusive, de empregos com carteira de trabalho assinada;
- Ampliação dos desequilíbrios atuariais do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – como será estimado na seção seguinte;
- Estímulo ao subfaturamento – há expressivo incremento da carga tributária na migração de MEI para microempresa, o que tende a estimular o subfaturamento para continuar na condição de MEI.
Um prejuízo extremamente grave provocado pelo MEI é que o debate sobre a fixação das alíquotas de contribuição previdenciárias, que deveriam ser balizadas pelo custeio da despesa com benefícios previdenciários, passou a ser definida de forma quase aleatória e totalmente desvinculada do tamanho da despesa obrigatória a ser paga. Esse é, indubitavelmente, um grave efeito colateral do MEI no âmbito dos debates sobre o sistema previdenciário no Brasil.
3- Impacto Atuarial e Financeiro do MEI
Além dos problemas já citados na seção anterior, um dos impactos mais negativos do MEI é que irá gerar forte desequilibro financeiro e atuarial nas contas do RGPS nas próximas décadas. Importante, contudo, desconsiderar análises viesadas que mostram a participação atual do MEI nas despesas com benefícios de risco ou mesmo programados para mostrar que não há impacto significativo. Essa abordagem é equivocada, pois previdência tem que ser analisada observando impactos de médio e longo prazo, ou seja, considerando todo fluxo de contribuições e despesa com benefícios, em especial, aposentadoria por idade e pensão por morte, que podem começar após muito tempo e perdurar por várias décadas. Não há necessidade de cálculos muito sofisticados ou minimante racionais para mostrar que o MEI é extremamente desequilibrado do ponto de vista atuarial, com a contribuição de 5% do salário mínimo absolutamente insuficiente para fazer o custeio dos benefícios que serão gerados no futuro.
De forma a tentar estimar o impacto do MEI nas contas do RGPS, foi feita uma simulação a partir dos microdados do AEPS de 2020 dos MEIs com pelo menos uma contribuição no ano desagregados por sexo e idade individual: a) foram considerados homens com idade de 18 a 64 anos e mulheres de 18 a 61 anos; b) de forma simplificada foi feita a suposição que todos irão contribuir até atingir idade de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, quando passam a receber aposentadoria por idade; c) foi aplicada a tábua de mortalidade do IBGE de 2023, de tal sorte que muitos MEIs não chegam a idade de aposentadoria (mas podem gerar pensão por morte e outros benefícios de risco como auxílio-doença) e muitos não chegam a idade de 90 anos (idade limite utilizada de forma conservadora); d) foram consideradas apenas as receitas derivadas da contribuição de 5% do salário mínimo e apenas os gastos decorrentes com a aposentadoria por idade, ou seja, não foram considerados a despesa com benefícios de risco ou não programados. A simulação trata o MEI como sendo um grupo de “massa fechada” considerando os contribuintes no ano de 2020. Do ponto de vista de equação, a simulação seria a seguinte:
Onde:
R = resultado do MEI nas contas do RGPS
Conta = contribuintes no ano a
SMa = salário mínimo no ano a
N = número de meses
Probs = probabilidade de sobrevivência
Benefapia = beneficiários de aposentadoria por idade no ano a
Quanto ao valor do salário mínimo, em uma primeira simulação foi utilizado o valor de 2025 (R$ 1.518), que foi mantido fixo em valores reais em todo o período. Essa suposição de estabilidade do salário mínimo em valores reais parece pouco crível no longo prazo, então também será apresentado outro cenário onde há ganho real do piso previdenciário, até para estimar a sensibilidade do resultado a este parâmetro essencial. A partir dessas suposições simplificadoras é possível estimar a ordem de grandeza dos impactos do MEI no RGPS. No cenário base, com salário mínimo fixo em termos reais e a preços de 2025, fica claro que o MEI gera pouca receita, dada a contribuição simbólica, mas terá impacto muito significativo na despesa em médio e longo prazo, com pico de despesa na década de 2050 (vide gráfico 3). No cenário base, com salário mínimo fixo em termos reais, o MEI iria gerar receita da ordem de R$ 126 bilhões e uma despesa de R$ 2 trilhões, provocando um déficit de R$ 1,894 trilhão no longo prazo. Deve ficar claro, contudo, que essa despesa e o respectivo déficit irão se distribuir ao longo de 7 décadas. Trazido a valor presente a taxa de desconto de 3%a.a., o impacto seria de R$ 87,5 bilhões na receita, quase R$ 800 bilhões na despesa (R$ 798,4 bilhões) e déficit atuarial de R$ 711 bilhões. Mesmo com taxa de desconto de 4%a.a., o déficit atuarial seria de R$ 531 bilhões. Detalhes a parte, a ordem de grandeza do desequilíbrio que será gerado pelo MEI nas contas do RGPS permite caracteriza-lo como um problema que precisa ser reavaliado de forma urgente (vide tabela 2 e gráfico 3).
Quando se considera ganho real do salário mínimo de 1%a.a., o quadro fica ainda mais grave, com despesa de R$ 2,861 trilhões e déficit de R$ 2,7 trilhões. Com taxa de desconto de 3%a.a., o déficit atuarial a valor presente seria de R$ 974 bilhões (vide tabela 2 e gráfico 3).
Tabela 2 – Impacto do MEI nas contas do RGPS
(a preços de 2025 e atuarial) em R$ bilhões
Fonte: elaboração do autor
Gráfico 3 – Estimativa de Impacto MEI na Receita, Despesa e Resultado do RGPS (preços de 2025) – em R$ bilhões
Fonte: elaboração do autor a partir de microdados do AEPS 2020
Também há necessidade de superar argumentos equivocados de que o MEI seria uma vantagem no sentido que esse grupo seria potencial beneficiário do BPC/LOAS e, por essa razão, até haveria alguma receita. Em primeiro lugar, a receita é, como mostrado, insignificante. Em segundo lugar, o perfil do MEI é muito diferente daqueles do BPC/LOAS. Ademais, a mudança de BPC/LOAS para MEI altera o fluxo de receitas, mas também o fluxo de despesas por vários motivos. Quando um potencial beneficiário do BPC/LOAS vira MEI, passa a ter direito aos benefícios de risco ou não programados como auxílio-doença (incapacidade temporária), pensão por morte, aposentadoria por invalidez (incapacidade permanente), auxílio-reclusão e salário maternidade, bem como, no caso da mulher, há antecipação do recebimento do benefício em 3 anos. A aposentadoria paga 13º e gera pensão, diferente do BPC/LOAS. Por todos esses motivos, o aumento da despesa pode até ser maior que a ínfima arrecadação.
Outro argumento que deve ser visto com muito ceticismo é sobre os eventuais impactos do MEI sobre a informalidade. Há evidências, já citadas anteriormente, que o MEI promoveu migração em larga escala de outros tipos de segurados, inclusive empregados com carteira de trabalho assinada, para MEI. Essa migração não reduz a informalidade, mas fragiliza o financiamento do RGPS e amplia os já elevados desequilíbrios atuariais do referido regime.
Também há que salientar que, conforme debatido anteriormente, está ocorrendo em escala relevante migração de outros tipos de segurados, inclusive trabalhadores com carteira de trabalho assinada, para MEI, o que explica a aparente ausência de ganhos estruturais em termos de inclusão previdenciária e redução da informalidade. Os indicadores de cobertura previdenciária (seja de contribuintes entre os trabalhadores ocupados ou mesmo de cobertura previdenciária ou social dos ocupados – que considera segurados especiais) apontam para estabilidade ou mesmo piora no período de 2012 e 2022 (vide gráfico 4). Embora isso não pode ser considerada uma avaliação de impacto indica, o MEI não parece ter gerado nenhum ganho estrutural em termos de cobertura previdenciária mesmo com crescimento explosivo (vide gráfico 4). Entre 2016 e 2022 também não houve aumento estrutural de contribuintes para previdência entre os trabalhadores por conta própria. Em 2023, considerando os microdados da PNAD Contínua Anual, havia cerca de 25,6 milhões de trabalhadores por conta própria, dos quais 17,3 milhões (67,5% do total) não estavam contribuindo para previdência. Portanto, mesmo com o MEI tendo atingindo 16 milhões de trabalhadores inscritos, dois em cada três trabalhadores por conta própria não contribuíam para previdência social no ano de 2023.
Gráfico 4 Taxa de Trabalhadores com Contribuição Previdência e Cobertura Social/Previdenciária em % do total de ocupados
Fonte: IPEA
A análise do perfil de escolaridade da proxy dos MEIs, dos empregados com carteira de trabalho assinada, conta própria sem CNPJ e beneficiários do BPC/LOAS indica que na realidade o perfil do MEI é muito similar ao dos celetistas e completamente diferente dos demais grupos. A estimativa foi feita a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual e mostra que a média de anos de estudo do MEI (12,3 anos) muito similar a dos empregados com carteira de trabalho assinada (11,9 anos) e muito superior ao dos conta própria sem CNPJ (9,5 anos) e beneficiários do BPC/LOAS com 18 anos ou mais de idade (5,2 anos). Por esse perfil fica claro que o argumento que os MEIs iriam virar beneficiários do BPC/LOAS e, portanto, haveria ganho de arrecadação é falacioso. Na verdade houve tendência de aumento da participação de pessoas com ensino superior completo no MEI. O argumento que o MEI seria para formalizar trabalhadores autônomos como pipoqueiros e similares vai dando espaço a um perfil mais heterogêneo que contempla um percentual muito relevante de trabalhadores com ensino médio e/ou superior completo, que não deveriam ser objeto de políticas de proteção social quase não contributivas.
Tabela 3 – Perfil Educacional de Conta Própria com CNPJ, Conta Própria, Empregado com Carteira de Trabalho Assinada e Beneficiários do BPC/LOAS de 18 anos ou mais
Fonte: elaboração do autor a partir do microdados da PNAD Contínua Anual de 2023 * sem instrução ou menos de 1 ano de estudo foi considerado 0 e 16 anos ou mais de estudo foi considerado 16 anos para estimativa da média
A análise do IBGE (2024) também reforça vários pontos ressaltados no presente artigo. Entre os pontos que podem ser destacados podemos citar: a) Em 2022, havia 14,6 milhões de MEIs em funcionamento, sendo que 4,1 milhões (27,9% do total) não foram encontrados na RAIS de 2009 a 2022, mas 10,5 milhões (72,1%), apresentaram algum vínculo formal de trabalho nesse período, inclusive, o contingente 3,9 milhões de MEIs que iniciaram ou reiniciaram um novo vínculo após a abertura do MEI; b) 2,5 milhões de MEI (17,2% do total) em dezembro de 2022 também possuíam vínculo empregatício formal; c) dos MEIs filiados em 2022, com experiência anterior no mercado formal de trabalho (RAIS), 63,8% do total tinham tempo no mercado formal de trabalho de 3 anos ou mais no período de 2009 a 2022; d) em 2022 apenas 133,8 mil MEIs tinham empregados (0,9% do total), que implica que estudos que consideram proxy do MEI estabelecimentos com 1 empregado criam viés inadequado; e) cerca de ¾ dos MEIs no setor de serviços e comércio; f) os MEIs possuíam idade média de 40,8 anos em 2022 e 44,7% eram brancos; g) 6,7 milhões que possuíam ensino médio completo ou superior incompleto (63,4%). Portanto, chama atenção que quase 3 em cada 4 MEIs tinham outra experiência no mercado formal de trabalho, inclusive, em vários casos, de forma concomitante como MEI. Esse dado reforça o sentimento que MEI está gerando migração relevante e não necessariamente esteja resgatando trabalhadores que estruturalmente estão no setor informal.
Há cerca de 14% dos trabalhadores inscritos no MEI que foram identificados como beneficiários do Bolsa Família. Esse dado tem que ser analisado com cautela, seja porque indica que cerca de 86% não eram beneficiários do referido programa, mas também porque é um dado dos inscritos e não se trata daqueles que estavam efetivamente contribuindo. Há necessidade de avaliar se esse grupo está apenas inscrito ou está efetivamente contribuindo, lembrando que o programa sempre teve uma inadimplência de cerca de 50% dos inscritos. Existe a possibilidade que a inadimplência neste grupo seja mais que a alta que a média. Caso a inadimplência seja muito alta entre os beneficiários do Bolsa Família, há o risco de se estar gerando dívida para os beneficiários do referido programa e/ou estarem sendo indevidamente utilizados como “laranjas”, entre outros problemas. De qualquer forma, a análise apenas dos inscritos, sem verificar o perfil dos que estão efetivamente contribuindo tende a criar distorção na caracterização do MEI.
4 – Considerações Finais
Embora o MEI tenha sido criado com a boa intenção de formalizar os trabalhadores por conta própria, passados mais de 16 anos após a sua criação a realidade é que apenas 1 em cada 3 desse grupo contribuía para previdência no ano de 2023, ou seja, 2 em cada 3 não contribui. Quando se analisa os indicadores de cobertura previdenciária, também não se notou nenhum ganho estrutural do ponto de ampliação da proteção social, mas pelo contrário, houve até ligeira queda. Embora não tenha sido feita uma avaliação de impacto, há evidências de que o MEI não tem sido uma política pública do ponto de vista custo/benefício e não serviu para uma redução estrutural da informalidade.
Ademais, há vários problemas e efeitos colaterais negativos que demandam uma reestruturação urgente dessa política pública: ampliação dos já elevados desequilíbrios financeiros e atuariais do RGPS, focalização inadequada, migração de segurados já formais de planos mais desequilibrados atuarialmente para esquemas altamente subsidiados como MEI e facultativo de baixa renda, estímulo ao subfaturamento e debate sobre alíquotas de contribuição completamente desvinculadas do custeio da despesa com benefícios previdenciários em uma perspectiva atuarial. O desequilibro atuarial do MEI é extremamente elevado.
Como estimado, considerando os MEIs com pelo menos uma contribuição no ano, em 2020, o programa deve gerar um déficit nas contas do RGPS da ordem de R$ 1,9 trilhão nas próximas 7 décadas. Esse desequilibro, em valor presente, representa um déficit atuarial de R$ 711 bilhões (com taxa de desconto de 3%a.a.). Infelizmente, a tendência política tem sido de ampliar o MEI, pois o horizonte político é de curto prazo e voltado para o calendário eleitoral, mas há necessidade de fazer a gestão da política previdenciária olhando para o médio e longo prazo. Por essa perspectiva, o MEI representa uma ameaça adicional a sustentabilidade do RGPS que já se encontrada complicada em função do rápido e intenso envelhecimento populacional.
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Rogério Nagamine Costanzi é doutor em Economia pela Universidade Autonoma de Madrid e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal. O autor teve passagens pelo Ministério da Previdência Social (assessor especial do Ministro, Subsecretário e Diretor do Departamento do RGPS e Coordenador-Geral de Estudos Previdenciários), Ministério do Trabalho e Emprego (assessor especial do Ministro e Coordenador-Geral de Emprego e Renda), Ministério do Desenvolvimento Social, IPEA (Coordenador de Previdência e Seguridade Social) e OIT. Foi membro do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) e do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI). Ganhador do Prêmio Interamericano de Proteção Social (2° lugar) da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) em 2015 e do Prêmio SOF de Monografia (2º lugar) do Ministério do Planejamento/ESAF em 2016. Foi Presidente do Cone Sul da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) e Vice-Presidente da Comissão de Adultos Mayores da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS).
[1] COSTANZI, Rogério Nagamine e SIDONE, Otávio. 2022. Avaliação da Política Previdenciária: O Caso do Microempreendedor Individua (MEI). Páginas 319 a 343. Em “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil” / Organizador Marcos Mendes. – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2022.
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