Giro fiscal – 17 a 23 de março
Esse é um giro diferente: muito mais concentrado em propostas que no anúncio das medidas e do que disseram as autoridades. As medidas que o governo tomou para enfrentar essa pandemia, que ameaça vidas, são conhecidas e ainda tem muita coisa que está “em estudo”. Por isso, além de trazer o principal do anunciado, esse giro deu mais ênfase em mapear propostas do que fazer para o país encontrar espaço no fiscal e onde e como agir (no campo da economia e do fiscal) para enfrentar essa crise. Há quase um consenso em torno de garantir liquidez e renda mínima (mas em valores superiores ao previsto nas propostas oficiais), mas tem gente pensando além: como usar reservas, reduzir contas de luz para os mais pobres, concentrar redução de salário e jornada entre os mais ricos, um redutor para todas as rendas (salários mais altos, alugueis, mensalidades escolares, etc). Boa leitura, e fiquem em casa!
As medidas anunciadas pelo governo entre a segunda-feira e a quarta-feira da semana passada foram amplas em antecipação de renda ou postergação de recolhimento de impostos (o que afeta o fluxo de caixa da União), mas mais tímidas em novos gastos. Entre antecipação de recursos, dilatação do prazo de pagamentos e novos gastos, o governo anunciou um total de R$ 172 bilhões, dos quais cerca de 15% são realmente gastos novos, por enquanto (R$ 5 bilhões para a Saúde, R$ 3,1 bilhões para o Bolsa Família e R$ 15 bilhões para ajuda mensal por três meses para os informais). Na estimativa da Economia, entre gastos e perda de receita, as medidas já adotadas podem levar a um déficit primário de R$ 220 bilhões. O BNDES anunciou ontem R$ 55 bilhões em recursos para a economia, incluindo devolução de recursos do PIS-Pasep para o FGTS e suspensão temporário no pagamento de parcelas de financiamento que as empresas devem à instituição, mas parte dos recursos já estava nos anúncios de Paulo Guedes. E a OCDE conclamou os países a fazer uma espécie de Plano Marshall, enquanto o G-20 marcou reunião de emergência, virtual, para esta semana, para discutir ações coordenadas contra a crise.
Bons resumos das medidas adotadas podem ser encontrados aqui (com ponto a ponto dos anúncios de segunda e de quarta-feira) e aqui, onde está explicada a proposta de redução de salários e jornada em até 50%, entre outras medidas. Aqui, uma lista das principais:
- transferência de R$ 200 para trabalhadores informais durante três meses, medida que terá um custo fiscal de R$ 5 bilhões ao mês (R$ 15 bilhões)
- antecipação das duas parcelas do 13º de aposentados e pensionistas (R$ 46 bilhões)
- Antecipação do abono salarial para junho (R$ 12,8 bilhões)
- Reforço do Bolsa Família (mais 1,2 milhão de beneficiários, R$ 3,1 bilhão)
- Mais recursos para a Saúde (total de R$ 11,8 bilhões)
- Flexibilização de regras trabalhistas, incluindo suspensão de jornada e de salário de até 50%
- Dilatação do prazo para recolhimento de FGTS (R$ 30 bilhões) e Simples (R$ 22,2 bilhões)
- Linhas de crédito (empresas e pessoas): R$ 100 bilhões (BB) e R$ 70 bilhões (Caixa) e R$ 5 bilhões (Proger[DN1] /FAT)
Diversos economistas têm feito propostas (muitos com o sentido mesmo de colocar ideias em discussão), inclusive argumentando que essa crise tem uma complexidade diferente e é preciso pensar mesmo em alternativas, muitas delas fora das respostas-padrão. Seguem algumas entrevistas, artigos e posts com ideias para debate.
Braulio Borges: Argumenta que há espaço para o Brasil se desfazer de cerca de US$ 127 bilhões das reservas internacionais, o que permitiria no atual momento de valorização do dólar gerar R$ 600 bilhões. E para enxugar a liquidez, propõe um novo instrumento para o BC.
Manoel Pires: traz um mapeamento do que diferentes governos fizeram para enfrentar a crise e argumenta que no Brasil ainda é preciso aumentar os esforços para garantir liquidez no sistema.
Cláudio Ferraz: “O mais urgente são políticas que busquem a proteção de indivíduos e famílias mais afetadas e não reestimular a economia”
Marcelo Medeiros: no twitter, uma sequência com várias propostas, como aumentar o valor do Bolsa Família, renda para quem está no cadastro único, mas for ado BF, redução da conta de luz, entre outras. E a tarifa de energia da baixa renda pode ter desconto integral, segundo MP em discussão.
Joaquim Levy: “Liquidez [para famílias via transferência de renda com impacto fiscal e empresas] e evitar a desorganização da economia são as chaves para atravessar esse período.”
Luiz Carlos Bresser-Pereira – O ex-ministro da Fazenda vê risco de uma crise financeira clássica junto com a recessão. Além de Usar o Estado para “salvas as pessoas da morte”, o Brasil “precisa recuperar a confiança externa, que foi destruída neste último ano”.
Jim O’Neil: “Imprimir dinheiro e transferir para indivíduos e empresas”, é a receita do ex-economista-chefe do Goldman Sachs. Vale para os países do G-20 e para o Brasil, frisou ele em entrevista ao Valor
Ribamar Oliveira: Dentro da equipe econômica, já está claro que este será um ano de recessão e serão necessárias várias medidas fiscais, mas há preocupação de deixar claro que serão temporais.
Naercio Aquino de Menezes Filhos: Defende, entre outras medidas, aumentar benefício médio do Bolsa Família para R$ 400,00 e cadastrar mais famílias, entre as quais os informais e àqueles que perderão seus empregos
Ricardo Paes de Barros: “A única maneira de controlar essa onda é um tremendo impacto sobre o hábito das pessoas”, afirmou, em entrevista onde também defende que é preciso um gabinete de crise e ter clareza que é o momento de gastar
Adair Turner: (ex-chefe sistema regulador do mercado financeiro britânico): Prioridade é salvar vidas, mas também pensar em reduzir o impacto econômico e preservar o emprego e a renda. Embora liquidez seja fundamental, “apenas a expansão fiscal pode fazer uma diferença relevante”.
Marcos Lisboa e Armínio Fraga: garantir renda mínima para a população e limitar corte de salários aos 10% mais ricos.
Samuel Pessoa: propõe um redutor de todas as rendas: “É irreal que todos os contratos se mantenham inalterados e que todas as rendas se mantenham inalteradas com a produção parada. Aqui podemos imaginar um redutor. Todas as rendas a partir de um piso devem ser cortadas em uma parcela”.
Martin Wolf: “Na guerra, os governos gastam livremente. Agora, também, precisam mobilizar seus recursos para evitar um desastre.”
E o portal VoxEU e os editores do Centro de Pesquisa em Política Econômica (CPER) organizaram um e-book com artigos de dezenas de economistas sobre os desafios da pandemia. O consenso: usem o fiscal.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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