Austeridade fiscal: as evidências

Austeridade fiscal: as evidências

08/04/2019

Os economistas italianos Alberto Alesina, Carlo Favero e Francesco Giavazzi publicaram um livro documentando sua pesquisa sobre os efeitos macroeconômicos da austeridade fiscal.

Essa linha de pesquisa ganhou fôlego importante desde meados dos anos 1990, quando uma geração de economistas italianos se preocupou com o tema depois da Itália ter sofrido com um crescimento expressivo da sua dívida pública. Os resultados, em geral, mostravam que ajustes fiscais pelo lado da despesa tendem a ter melhores resultados em termos de atividade econômica e durabilidade do ajuste, do que ajustes fiscais protagonizados pelo aumento das receitas.

Em 2009 em coautoria com outra economista italiana, Silvia Ardagna, Alberto Alesina, publicou um artigo que buscava identificar qual seria o melhor padrão de ajuste para o período que sucedeu a crise de 2008. Nessa pesquisa, os autores identificaram que ajustes baseados em despesa são superiores aos ajustes baseados em receitas, mas também concluíram que os ajustes baseados em despesas poderiam gerar expansão econômica, um resultado bastante contra intuitivo para quem acompanha o tema. De todo o modo, esse resultado teve grande impacto político nos EUA, pois o então Senador Paul Ryan apresentou um plano de recuperação econômica baseada nesses achados.

Posteriormente, Jayadev e Koczal tiveram acesso a base de dados de Alesina e Ardagna e reproduziram o experimento. Dentre várias decisões questionáveis adotadas por A&A, os autores verificaram que os casos identificados já eram expansionistas antes do ajuste fiscal implementado e que, portanto, não era possível atribuir o crescimento dessas economias ao tipo de ajuste que foi aplicado. Ao considerar esse aspecto, a conclusão foi de que austeridade seria sim contracionista.

Nesse novo livro, Alesina, Favero e Giavazzi, revisitaram toda a sua metodologia para reavaliar a questão. Iniciando pela construção das bases de dados, os autores produziram um levantamento bastante amplo das várias experiências de ajuste fiscal e a documentaram na internet para que outros pesquisadores possam checar suas conclusões. Antes delas, é bom apontar algumas questões:

A classificação entre ajustes baseados em gastos e em impostos não é precisa. Um ajuste baseado em gastos (receita) requer apenas que mais da metade do pacote seja de redução de despesa (receita), mas medidas de receita (despesa) também existem e são significativas em muitos casos.

As medidas são monitoradas a partir do seu anúncio. Uma das hipóteses é que as medidas anunciadas sejam críveis e implementadas. Não há, portanto, um monitoramento exato das medidas. Esse problema é tão mais relevante quanto mais antigo for o ajuste por conta da escassez de informações.

Um anúncio classificado como ajuste em gasto pode, ao longo do tempo, ser transformado em aumento de receitas se alguma medida não for implementada. Então se esse monitoramento não for bem feito, há chance de erro de mensuração e de classificação.

Os principais resultados são de que os ajustes fiscais são contracionistas, mas que ajustes pelos gastos produzem efeitos menos contracionistas que ajustes pelas receitas. Uma das preocupações dos autores está em avaliar as críticas do processo de austeridade implementado na Europa por conta da grave crise que se abateu na região.

Em primeiro lugar, eles chamam atenção para o fato dos ajustes terem sido muito expressivos, no período. Mas que os modelos indicam que os efeitos esperados eram muito próximos dos efeitos observados e concluem, com isso, que não houve aumento do sacrifício imposto pelas políticas de austeridade. Dessa forma, atribuem o agravamento da recessão às incertezas inerentes a continuação da unificação europeia, dos problemas bancários ocorridos em alguns países, por exemplo.

Um outro conjunto de resultados interessantes está em verificar se a adoção de uma contração fiscal em períodos recessivos é mais grave do que em períodos expansionistas. Nesse caso, concluem que o momento do ciclo não fez muita diferença nos seus resultados. Por isso, defendem a ideia de que a forma é mais importante do que o momento para a austeridade fiscal: ajustes pelo lado das despesas produzem menos custos do que os ajustes pelo lado das receitas independente do momento do ciclo econômico em que a política é aplicada.

E por fim, se existem diferenças relevantes para o ajuste fiscal quando a política monetária não responde ao ciclo. Nesse caso, suas conclusões são de que as diferenças entre os ajustes de receita e despesas desaparecem.

Com base nesse estudo, uma controvérsia importante parece ter disso desfeita: ajustes fiscais são contracionistas. Isso não quer dizer que não devam ser implementados, mas que há uma discussão de política relevante sobre a melhor forma de conduzir o ajuste.

Assim como nenhum Banco Central deixa de aumentar a taxa de juros porque seu efeito é contracionista, o governo também pode adotar uma política contracionista, mas há que se fazer uma análise de custo e benefício sobre a medida a ser adotada bem como buscar um caminho com o menor custo para a sociedade.

Para isso ainda existem lacunas importantes que precisam ser conciliadas com outras linhas de pesquisa. A primeira está na diferenciação entre ajustes realizados com aumento de receita e redução de gastos. Os resultados obtidos pela literatura de multiplicadores fiscais levam à conclusão de que multiplicadores de receita são menores que multiplicadores de despesa. Quem olha para essa literatura, não enxerga um custo muito elevado nos ajustes fiscais com base em receita. Além disso, os modelos mostram haver incerteza maior no caso de ajustes pelas receitas do que no ajuste pelas despesas. Esse fenômeno é comum nas duas literaturas.

No caso de recessões, a literatura de multiplicadores fiscais mostra haver efeitos amplificados em períodos recessivos. Uma crítica de Alesina, Favero e Giavazzi é que esses estudos viesam a questão por não levarem em conta que a economia sai da recessão depois de um tempo. Ao manter o modelo funcionando por todo o experimento como se houvesse uma recessão, magnifica-se o efeito da política fiscal. Se esse o caso, é possível conciliar essas diferenças nos casos em que uma economia se situar na recessão por um período prolongado.

Os multiplicadores fiscais também tendem a ser magnificados em períodos que a política monetária não responde ao ciclo. Não é claro, o que ocorre na modelagem de Alesina, Favero e Giavazzi para justificar esse resultado. Aliás, esse é o principal problema presente no livro: há abundância de evidências empíricas, mas poucas tentativas de conciliar os resultados que não andam na mesma direção de literatura correlata. Mas o recado principal está dado. Nos outros aspectos ainda e necessário investigar mais.

 Austerity: When It Works and When It Doesn't

 

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